Ao longo dos anos, ordenamento jurídico pátrio foi se atualizando para hipóteses de responsabilidades objetivas
A responsabilidade do empregador sempre foi um assunto que perpassou por várias legislações e entendimentos doutrinários e jurisprudenciais. A primeira disposição legal desse tema encontra registro no Decreto nº 7.036/44, em seu artigo 31, no qual, de forma geral, dispõe que o empregador responderia pelos infortúnios ocorridos com os empregados que se ativavam no ambiente de trabalho, desde que aquele tivesse agido com dolo, sendo o termo “dolo” essencial para entender o novo posicionamento do STF e a mudança de paradigma, quase 75 anos depois.
Note-se, que, neste caso, ao longo dos anos, o ordenamento jurídico pátrio foi se atualizando para hipóteses de responsabilidades objetivas em razão do que ocorria, efetivamente, nas relações de trabalho.
Atualmente, as principais normas legais que tratam da responsabilização civil do empregador, em virtude dos acidentes de trabalho, são o artigo 7º, inciso XXVIII, da Constituição Federal, que prevê que o seguro contra acidentes de trabalho é um direito do empregado, “sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa” e o artigo 932, inciso III, do Código Civil, segundo o qual, “são também responsáveis pela reparação civil: O empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele.”
Assim, por muitos anos vigorou nos tribunais, como regra majoritária, que a reparação civil pelo empregador, a partir da interpretação de ambos os preceitos legais, sendo um previsto na Constituição Federal e outro em lei ordinária, deveria ser consequência da prova do dano sofrido e do nexo causal entre a conduta do agente e o resultado produzido.
Assim, estabilizou-se um cenário em que eram necessárias a prova e a demonstração da causa e do nexo causal, seja por dolo ou culpa, para que o empregador fosse responsabilizado, sendo esta a principal forma de defesa dos empregadores (além de outras excludentes de responsabilidade), como o debate pelo ônus da prova, ocasião em que era necessário o empregador demonstrar provas que comprovassem a sua prudência, segurança e a cautela com a segurança e saúde no ambiente de trabalho.
Contudo, em setembro de 2019, o Supremo Tribunal Federal pautou o tema através do leading case trazido no RE 828040, para tratar, essencialmente, sobre a “possibilidade de responsabilização civil objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho nas atividades de risco”.
Duas teses se confrontavam no caso, a primeira, da empresa, reclamada, que suscitava, em síntese, a violação ao artigo 7º, XXVIII, da CRFB/88, que garantia a responsabilidade subjetiva do empregador por danos decorrentes de acidente de trabalho, enquanto a segunda, que sugeria a fixação da seguinte tese de repercussão geral: de que o artigo 927, parágrafo único, do Código Civil seria compatível com o artigo 7º, XVIII, da Constituição Federal, sendo constitucional a responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, apresentar risco especial com potencialidade lesiva e implicar ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade.
Nesse caso, ainda foi apresentado o parecer da Procuradora Geral da República, opinando pelo desprovimento do RE e propondo a fixação da tese de que não contrariava a Constituição Federal o reconhecimento de responsabilidade objetiva do empregador por danos decorrentes de acidente do trabalho, quando a atividade desenvolvida, por sua natureza, implicasse risco à saúde e segurança do trabalhador, sendo, este entendimento, uma interpretação sistemática dos artigos 7º, XXII, XXVIII, 200, VIII e 225, § 3º, da Constituição Federal c/c artigos 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81 e 927, parágrafo único, do Código Civil.
Com a decisão adotada pelo Supremo Tribunal Federal, de relatoria do ministro Alexandre de Moraes, o STF por maioria, entendeu, em síntese, que o empregado que atua em atividade de risco tem, por si só, o direito à indenização em razão de danos decorrentes de acidente de trabalho, independentemente da comprovação de culpa ou dolo do empregador, indicando que o STF irá fixar tese de repercussão geral em uma próxima sessão.
Logo, o que se balizou foi o entendimento geral da imputação da responsabilidade civil objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho em atividades de risco, razão pela qual não haveria impedimento à possibilidade de que as indenizações acidentária e civil se sobreponham, desde que a atividade exercida pelo trabalhador seja considerada de risco e prevista em lei.
Assim, caso seja confirmada a tese adotada pelo TST, será verificada que a responsabilidade objetiva prescinde da comprovação de dolo ou culpa, fazendo incidir no caso a regra geral prevista no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, por se tratar de atividade de risco.
De certo que ainda se faz necessária a redação final da tese que restará prevalecente, orientando a Justiça para dirimir demandas que envolvam acidentes de trabalho. Contudo, a partir do relatório apresentado pelo ilustre ministro Relator e acompanhado por outros cinco ministros da Suprema Corte, já é possível observar o sentido que este pretende propor.
O novo entendimento, caso seja confirmado, vai dar maiores fundamentos para aqueles que privilegiam a saúde e a segurança do trabalho, a dignidade humana, objetivando, efetivamente, pressionar as empresas, especialmente as que praticam as chamadas “atividades de risco” para que se prime, fundamentalmente, pela proteção do indivíduo.
Isso coloca em xeque alguns dos pilares que vem conduzindo a forma de se debater a reparação civil decorrente do acidente de trabalho e excludentes de responsabilidade.
A ideia de que havia uma necessidade de vasta produção, por vezes limitava o interesse de ação do empregado perante a Justiça do Trabalho o que, com a nova interpretação, facilitará a persecução da indenização, bastando demonstrar o acontecimento, em si, e não mais a ação/omissão do empregador que lhe deu causa.
Esclarece-se que o referido RE 828040 foi definido com um processo paradigma do tema 932, da tabela de repercussão geral do STF, motivo pelo qual o acompanhamento dessa tese e a posição final sobre o tema se faz essencial, já que esse assunto sempre estará em discussão nas ações trabalhistas e tal matéria tem natureza constitucional, com repercussão econômica e social, tendo em vista sua relevância para o desenvolvimento das relações de emprego.
Fonte: Portal Jota – por: Priscila Brandt e Leonardo Kaufman – em 04/11/2019.
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