Lei da Liberdade Econômica e o controle de jornada de trabalho por exceção.

Com as alterações trazidas pela Lei 13.874/2019 passa a ser admitido o “ponto por exceção” desde que adotado mediante acordo individual, acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho.

A Lei 13.874/2019, de 20/setembro, trouxe alterações importantes na CLT a respeito do registro da jornada de trabalho.

Nesse artigo, vamos explicar os pontos principais sobre o assunto, a começar pela extinção do “quadro de horário”, passando por novas regras de controle de ponto, incluindo o “ponto por exceção”.

Basicamente, quase todo o artigo 74 da CLT sofreu alterações, a começar pela extinção do “quadro de horário” que as empresas eram obrigadas a manter em local visível a fim de que pudesse ser observado tanto pelos empregados, mas, sobretudo, pela fiscalização do trabalho. A Lei Complementar 123/2006 – Estatuto da microempresa e empresa de pequeno porte – já havia eliminado esta obrigação no seu âmbito de abrangência, o que agora se ampliou para todas as empresas.

O registro da duração do trabalho, inclusive com indicação dos horários, já era uma exigência contida no art. 41, parágrafo único e art. 74, § 1º, da CLT, bem assim na Portaria 41/2007-MTE, art. 2º, VII. Desse modo, a nova redação do art. 74/CLT, ao exigir o horário de trabalho no registro do empregado apenas mantém aquilo que já era parte do registro do empregado, como se vê nas disposições citadas.

Já o § 1º do art. 74, da CLT, traz alteração significativa: a partir de agora, ficam dispensados da obrigação de controle de ponto os estabelecimentos com até 20 empregados, isto é, estão obrigados a manter registro de jornada aqueles “com mais de 20 trabalhadores”.

O critério escolhido por lei é o número de trabalhadores. Antes o número era de 10, agora de 20. Importante destacar que o legislador utilizou o termo “trabalhadores” e não “empregados”, o que pode levar à interpretação de que devam ser considerados também os “terceirizados” que habitualmente prestam serviços no mesmo estabelecimento. Em relação ao trabalhador externo, ou seja, os empregados que realizam sua jornada atividades externas, fora da empresa, ao invés do uso de “papeleta ou ficha” de horário em poder do empregado, a nova redação do art. 74, § 3º/CLT menciona que o horário desse trabalhador deverá constar em registro “manual, mecânico ou eletrônico em seu poder”. Papeleta ou ficha são equivalentes do registro manual; a novidade é o acréscimo do meio eletrônico de registro de ponto, isto é, um controle de ponto eletrônico que possa ser registrado à distância.

Novas tecnologias, inclusive o uso de aplicativos de celular, permitem com relativa facilidade essa forma de registro de ponto e controle de jornada. 

Desse modo, com a possibilidade de registro de ponto à distância por meio eletrônico para os trabalhadores externos, é possível que haja maior rigor dos juízes do trabalho na interpretação do art. 62, I, da CLT, que isenta o controle de jornada para os trabalhadores que “exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho”. Ora, diferente do que ocorre com a papeleta ou ficha, que só chegam ao empregador quando entregues pelo empregado, o controle eletrônico remoto permite a fiscalização em tempo real da jornada do empregado-trabalhador externo.

Assim, se a jornada é externa, mas é compatível com a fixação de horário pelo empregador, tendem a se tornar mais raros os casos em que os Tribunais admitam que a atividade era realmente incompatível com a definição de uma jornada fixa. Resta comentar, por último, a principal novidade trazida pela Lei da Liberdade Econômica sobre jornada de trabalho: o chamado “ponto por exceção” vem previsto em lei nos seguintes termos: 

“ Fica permitida a utilização de registro de ponto por exceção à jornada regular de trabalho,…”

Trata-se de um acordo pelo qual o empregado fica desobrigado de fazer os registros de horários de entrada, saída e intervalos, quando regularmente cumpridos os horários previstos no contrato, isto é, ele anota apenas as exceções, como por exemplo: as horas extras, os atrasos, as saídas antecipadas, entre outros. Daí a denominação de “ponto por exceção”: o que for horário trabalhado conforme o previsto e contratado não se registra. 

A matéria já foi regulamentada por meio de ACT/CCT – acordo e/ou convenção coletiva de trabalho -, mas o TST estava longe de encontrar um entendimento uniforme sobre o tema. Diversas decisões já proferidas por aquela Corte entenderam que a norma que exige o controle de jornada não poderia ser relativizada por ACT ou CCT, enquanto que outros julgados chegaram a reconhecer a validade de tais cláusulas coletivas sob o fundamento de que se deve respeitar a autonomia negocial coletiva e desde que não haja violação ou supressão de direitos indisponíveis. Obviamente, esse último entendimento parte do pressuposto de que a dispensa do controle de ponto não equivale a renúncia ao direito de receber pelas horas extras realizadas.

Para que fique claro: o registro de “ponto por exceção” não significa uma autorização para que horas extras não sejam anotadas e, por consequência, não sejam pagas corretamente. Ao contrário, se realizado trabalho extraordinário deve ser anotado e pago como tal.

Se por um lado o “ponto por exceção” pode ser visto como o “fim do cartão-ponto”, por outro é preciso que as empresas tomem certos cuidados ao adotarem essa política, porque poderão sofrer graves consequências no âmbito administrativo, judicial e financeiro. A inconsistência entre os horários efetivamente praticados, sem a devida anotação, e os presumidos (“pré-anotados”), podem se tornar, inclusive, a causa de uma avalanche de novas ações trabalhistas.

A lei admite que o “ponto por exceção” seja adotado mediante acordo individual, acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho.

Por fim, é bom registrar que a existência de lei nova não significa, necessariamente, o fim dos debates nos Tribunais Superiores sobre a matéria.  A lei pode ter vindo com o propósito de solucionar esses conflitos, porém, a constitucionalidade da nova norma poderá ser questionada sob o fundamento de que a duração da jornada integra o conjunto de direitos e garantias individuais do trabalhador, que não pode ser relativizado.

Nesse aspecto, é preciso continuar acompanhando o assunto e os desdobramentos que decorrerão da aplicação da lei nova e de eventual questionamento da sua validade perante os Tribunais.

Por: Marcelo Wanderley Guimarães –  em outubro/2019.

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